Quando a Infância Vira “Trend”

Quando a Infância Vira “Trend”

Um vídeo de quase cinquenta minutos movimentou o noticiário brasileiro e virou assunto por aqui em Portugal nos últimos dias. O autor do vídeo-denúncia é o Felca, um dos maiores criadores de conteúdo do país, que decidiu usar a própria visibilidade para jogar luz sobre um problema grave: a adultização das crianças na internet. O vídeo viralizou, ultrapassou dezenas de milhões de visualizações e abriu a discussão nacional. Casos de menores expostos a conteúdos inapropriados, influenciadores presos por exploração e a omissão das plataformas digitais vieram à tona. Até o parlamento brasileiro reagiu, discutindo novas leis de proteção. Em resumo: o assunto deixou de ser uma conversa de rede social para ocupar lugar central na política e na vida cotidiana.

Mas o que está em jogo é mais profundo. Criança precisa ser criança. Precisa brincar, inventar, errar, repetir. Precisa correr atrás de bola, desenhar monstros no caderno, chorar quando se frustra e gargalhar por coisas sem sentido.

O problema não é a internet. Pelo contrário: é lá que hoje elas se encontram, constroem cidades imaginárias em jogos virtuais, fazem piadas com amigos distantes, criam seus próprios modos de brincar.

Proibir essa ferramenta tão fundamental para a vida moderna é privar os pequenos de um bem que os vai acompanhar independentemente do desejo parental. Assim como nós, um dia, reinventamos as brincadeiras de nossos pais, também elas reinventam as suas, embaladas pelo espírito de seu tempo hoje de forma virtual.

O risco está no que escapa ao universo lúdico: conteúdos que não foram feitos para miúdos, mas que chegam a eles sem filtro algum. Pais que não supervisionam, autoridades que fecham os olhos, algoritmos que recompensam quem mais expõe e menos protege. E, nesse espaço vazio de cuidado, aparecem predadores como os que Felca denunciou.

A discussão, portanto, não é sobre proibir telas ou demonizar redes sociais. É sobre presença. Sobre adultos que precisam acompanhar, orientar e, sobretudo, proteger. Se a infância se apressa a virar espetáculo, cabe a nós desacelerarmos o passo e garantir que cada fase da vida seja vivida em seu devido tempo.

Convido os pais a refletir sobre o amanhã: quando esses miúdos olharem para trás, o que fará diferença? As lembranças que desenvolveram nos convívios offline e online? Ou o volume de seguidores que tiveram aos 12 anos?

Fábio Osmar

Jornalista
@fabio.osmar

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