Toquinho

Toquinho

O cantor, compositor e violonista brasileiro Antônio Pecci Filho,
internacionalmente conhecido como Toquinho, é um dos maiores
nomes da MPB de todos os tempos. Formou com Vinicius de
Moraes uma das mais importantes e criativas parcerias da música
brasileira compondo sucessos como “ Água de Beber “ e “Tarde em
Itapoã” e a base para sua obra prima “Aquarela” que proporcionou a
Toquinho o orgulho de ser o primeiro artista brasileiro a receber um
“Disco de Ouro” na Itália.

Em digressão por Portugal com a versátil e talentosa Camilla Faustino,
o músico conversou com exclusividade com o Olhar Brasileiro

Toquinho, como é que foi o seu início na música e o que o inspirou a seguir essa carreira?

Meu início na música foi realmente pela influência dos meus pais. Minha mãe tocava violino numa orquestra e meu pai era muito musical. Era uma época em que a bossa nova estava emergindo de uma maneira fundamental. João Gilberto, Tom Jobim, Baden Powel, Oscar Castro-Neves… Todos eles, representantes de uma geração maravilhosa que antecedeu a minha. Já o violão. era uma coisa que fazia parte da classe média brasileira, que estava no seio das famílias e essa moda, entre aspas, me inspirou a tocar esse instrumento. Daí vem a minha paixão pela música, pelo instrumento e pela vontade de seguir na carreira. Meus pais sempre me incentivaram muito e logo aos 17 anos eu gravei meu primeiro Long Play, que era o vinil. A partir daí, a minha carreira continuou e estou aqui até hoje. Sinceramente, acho que eu faria tudo igualzinho o que fiz até agora.

Sua parceria com Vinícius de Moraes é bastante conhecida e rendeu grandes sucessos além de momentos memoráveis da música brasileira. Como é que foi essa experiência de trabalhar com ele e qual foi a importância dessa parceria em sua carreira?

A importância de Vinícius é uma coisa indiscutível na cultura brasileira – Quer seja como poeta ou como compositor, trabalhar com o Vinícius foi um grande privilégio que eu tive na minha vida. Eu conheci o Vinícius com 22 para 23 anos. Eu tinha na bagagem uma série de melodias à espera de um parceiro, um poeta, um letrista e ele a mesma coisa na fase em que estava. E foi um casamento perfeito entre melodia e letras. Houve uma disponibilidade muito grande de um para com o outro. Na verdade, trabalhar com ele foi uma coisa memorável, porque eu não só aprendi muito a trabalhar com as palavras em relação às canções, como também fizemos mais de mil shows juntos, além de gravarmos mais de 30 discos. Começamos um trabalho infantil extraordinário que é importante para mim até hoje. Foi ele que me colocou nesse mundo lúdico o qual compreendia melhor do que ninguém, tão criança que ele era, às vezes muito mais jovem do que eu. Então, a importância da nossa parceria é muito grande. Lançamos vários sucessos pois produzimos canções simples e acessíveis para as pessoas, mas ao mesmo tempo rica em melodia, harmonia e palavras. Eu acho que foi uma missão cumprida. Nos dez anos que passamos juntos, fizemos o melhor que podíamos ter feito e felizmente este trabalho continua a ser admirado até hoje. As canções estão ficando no tempo de uma forma duradoura e isso é que é o mais importante.

Você é reconhecido não apenas como um exímio músico, mas também como um compositor genial. O que é que o inspira a compor e como é o processo criativo por trás de suas músicas?

Realmente sou reconhecido como um exímio instrumentista, mas isso não é à toa, eu estudo e levo muito a sério o violão. Ainda hoje, eu descubro os segredos dele em relação às canções que eu toco e tocava. Eu procuro sempre me esmerar em termos digitais, sempre para sair um som mais puro, sempre levando em consideração o que eu já aprendi anos atrás e o que eu posso vir a aprender e a melhorar nos dias atuais. Eu não subestimo o instrumento e acredito que temos sempre que aprender alguma coisa. Eu me dou muito bem com o violão, porque ele é um grande companheiro. E como compositor, eu usei muito o estudo do violão para poder me aprimorar melodicamente. Então, minhas melodias são feitas, e eu tenho um rigor muito grande com isso, para serem naturais ao ouvido humano, de forma que elas não firam o ouvido humano e nem a lógica de uma audição. Isso é muito difícil de conseguir. É muito trabalhoso produzir uma coisa simples que seja uma melodia que pareça que uma pessoa já tenha ouvido. Quando uma pessoa diz: “Parece que eu já escutei essa música”, este é o maior elogio que eu posso ouvir de alguém. Na verdade, compor é um trabalho árduo, que não é simplesmente manter uma técnica, mas aprimorar cada vez mais a composição e fugir da sua própria sombra. Porque um compositor que já tem mais de 500 canções, achar um caminho onde a sua sombra não o alcance, não é fácil. Esse é o desafio da continuidade, da perenidade e eu sou muito feliz nessa busca. Eu não desisto nunca. Com 77 anos, felizmente sinto que em muitos momentos, estou iniciando minha carreira.

Você teve a oportunidade de se apresentar em diversos países ao redor do mundo. Como é a recepção do seu trabalho em diferentes culturas e em especial aqui em Portugal?

É verdade, eu trabalho muito e já me apresentei em muitos países, com culturas e valores distintos, mas eu acredito que a música tem uma linguagem universal. Tem uma canção em que falo que a música não tem fronteiras, é “made in” coração. Eu acredito que tem essa ligação natural de ser humano para ser humano e a recepção do meu trabalho tem sido sempre muito boa nas diferentes situações, nos diferentes países e nas diferentes culturas. Em Portugal, claro, é uma coisa mais fácil de comunicar por causa da língua. Então, eu gosto muito de trabalhar fora do Brasil, mas especialmente em Portugal, onde me sinto em casa, porque em casa eu estou. Enfim, a adequação da música em relação aos outros países se deve à linguagem universal que ela tem e é por isso que as coisas ficam mais simples e mais coloquiais.

Além da música, você também se envolveu em projetos sociais e educacionais não apenas no Brasil como fora dele. Pode nos falar um pouco sobre essas iniciativas e sobre o papel social da música?

Eu já contribuí com vários projetos sociais e educacionais. Já cedi canções e já fiz muitos shows beneficentes na minha vida. Tive ligação com orquestras emergentes de jovens e sou o padrinho do projeto Guri, que era de presidiários com menor idade e que tocavam instrumentos. Claro, o que eu posso fazer e o que está a meu alcance, eu sempre fiz e eu espero continuar fazendo. Agora, quanto ao papel social da música, acredito que a música tem que ser a música. Eu acho que naturalmente cada canção vai poder interferir nas situações humanas, nos relacionamentos humanos e na situação social também. Eu penso que é muito perigoso fazer uma música intencionalmente para uma situação social. Eu acho que assim, ela tem a possibilidade de envelhecer facilmente. Agora, quando ela é usada com essa finalidade depois de feita, tem um sentido muito maior.

Ao longo de sua carreira, você recebeu diversos prêmios e reconhecimentos, inclusive dois Grammys. Qual é a sua opinião sobre a importância deste tipo de reconhecimento?

Realmente, já recebi muitos prêmios e reconhecimentos até hoje. Claro que isso é bom e seria muita hipocrisia de um artista falar que não liga para isso. Claro que o reconhecimento em vida é uma coisa boa e é gratificante. Agora, sinceramente, eu não dou tanto valor a essa coisa de prêmio. Eu entendo, agradeço e gosto, mas eu confio mais na vida e no trabalho do que no prémio. Eu confio na minha trajetória e na continuidade dela. Para mim, olhar para o prêmio, é um pouco olhar para o passado e eu não gosto disso. Eu não gosto de bons momentos, ou “aqueles bons tempos”. Não gosto dessa frase, eu gosto de dizer: “que bom hoje”, “que bom agora”, “o que eu tenho que fazer amanhã?” ou “Para onde eu vou depois de amanhã?” Eu me preocupo mais em como eu fico feliz com o prato de uma comida que eu gosto, tocando um instrumento, fazendo um show ou passando o tempo com a mulher amada. É isso que me interessa mais do que os prêmios.

Como você enxerga o cenário da música brasileira atualmente e quais são os desafios e oportunidades para os novos artistas?

No cenário da música brasileira, coisas boas e coisas ruins sempre existiram e vão continuar a existir. A música brasileira não mudou tanto, o que mudou foi o contorno dela, foi o palco, ou seja, onde ela pode ser ouvida, onde ela pode ser apresentada e onde ela pode ser administrada. Foi isso que mudou. Mudou o cenário dela, mudou o caminho que ela deve seguir, mudou a maneira que as pessoas vão ouvir essas músicas. Mas principalmente, mudou uma coisa que se chama internet. Isso mudou o mundo, mudou os caminhos das canções e mudou a administração delas. As músicas continuam a ser boas, feias, horríveis, maravilhosas, edificantes e definitivas. Os meios de comunicação é que mudaram.

Olhando para o futuro, quais são seus planos e projetos? Há algo novo que seus fãs podem esperar?

Eu tenho vários planos e imagino que vou os ter até um minuto antes de falecer. Eu acredito que você pode envelhecer o corpo e envelhecer na idade, mas quando você deixa de ter sonhos e planos, é aí que você envelhece realmente. E isso eu não vou deixar de ter nunca. Eu os tenho sempre, a cada dia e a cada semana. Para mim, é fundamental todo projeto, desde um projetinho pequeno como comprar um carrinho novo ou simplesmente ir ao restaurante que eu gosto, até fazer um projeto enorme musical. Por isso, sempre vou ter projetos musicais. Tenho projetos para a Itália, tenho projetos para o Brasil, tenho projetos com a Camilla Faustino e tenho projetos para a Camilla Faustino. Enfim, eu espero que o número de meus fãs aumente por causa da internet e espero que continue a agradar a eles todos com os próximos projetos. Podem esperar que coisas novas virão, não hoje e nem amanhã, pois de mim será sempre.

Quer deixar um recado para os seus fãs e para aqueles que se inspiram em seu trabalho?

Antes de mais nada, é o meu trabalho, é a minha dedicação, é minha fidelidade com a minha música, é meu empenho profissional, é minha dedicação física para poder estar bem em cima do palco, é esse meu incentivo e essa minha tenacidade que acredito ser a mensagem mais importante para os fãs. Mas eu gostaria de acrescentar uma coisa de vida: faça o que você realmente gosta de fazer. Se você achar na vida o que realmente gosta, faça isso. Vá em busca do que faz bem a você. Sem ferir as pessoas, sem machucar ninguém, mas fazer o que você realmente gosta. E se você estiver em qualquer tendência, que as siga, se elas forem naturais e se elas fizerem bem para o seu âmago e para a sua verdade. E a verdade acima de tudo, pois quem não lida com a sua própria verdade, trilha um caminho mais curto para a infelicidade. Então, isso é o que eu posso deixar de mais sincero para todos.

Ouça a entrevista completa no nosso podcast do programa Olhar de Lá e de Cá em www.radio.olharbrasileiro.pt

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