Simone

Simone

Quando o Quincy Jones falou aquilo, ele não se referia apenas à cantora, mas a um monte de pessoas que estavam ali, dentro do meu corpo, dentro da minha cabeça, que apostaram em mim. Sim, eu sou esse monte de gente.

• Olhar Brasileiro

Simone é uma cantora soteropolitana que ganhou o mundo com sucessos como “Começar de Novo”, “Jura Secreta”, “Cigarra”, “Sob Medida” e muitos outros. É a sétima, dos nove filhos de Otto Gentil de Oliveira, um cantor de ópera e Letícia Bittencourt de Oliveira, que tocava piano e violão. Cursou Educação Física em Santos, São Paulo, passando a dedicar-se à carreira de jogadora de basquete e de professora de Educação Física. Chegou inclusive a ser convocada duas vezes para a Seleção Brasileira de Basquetebol Feminino. Simone concedeu uma entrevista exclusiva para o Olhar Brasileiro e para o programa Olhar de Lá e de Cá da Rádio RUM nas vésperas de sua turnê por Portugal.

Simone, você começou no esporte e migrou para a música. Como foi esta experiência e como se deu sua transição para a música?

Eu comecei a jogar basquete aos 12 anos em Salvador na Bahia. Mas antes disso eu já nadava e era ciclista. Minha vida foi sempre voltada ao esporte e a minha casa, ao esporte e à música. Aos 22 anos de idade eu conheci uma professora de violão. Isso quando já estava na seleção brasileira. E aí eu comecei a tentar fazer aula de violão, uma vez que eu nunca consegui entender as cifras, a melodia cifrada. Ela inventou uma reunião na casa do gerente de marketing da gravadora Odeon. Nesse dia eu cantei e quando estava saindo para ir para minha casa, ele me perguntou se eu queria fazer um teste para a Odeon. Eu não estou condensando a história porque foi exatamente assim que aconteceu.

Nessa época nós estávamos treinando para o campeonato mundial de basquete, que foi realizado em São Paulo. Eu tive uma entorse no tornozelo e fiquei muito triste porque eu havia treinado bastante para participar do campeonato e acabei não podendo competir. Então eu participei de outra forma. Fiquei lá junto com a seleção. Nesta época começou o interesse do pessoal da EMI Odeon para eu gravar um disco. Eles me convidaram para fazer um teste e um mês depois eu tinha um contrato de quatro anos.

Já eram os astros conspirando a seu favor, ou seja, você não foi atrás da carreira, mas a carreira é que foi atrás de você.

Foi mais ou menos assim. Minha mãe queria que eu participasse de programas de calouro na época, como o programa do Chacrinha. No entanto, eu tenho uma timidez muito acirrada ainda. E eu dizia para a minha mãe: “Não adianta que eu não vou”. E as coisas aconteceram sem que eu tivesse que participar de programas de calouro, coisa que eu não suportaria devido à minha timidez.

Você iniciou a carreira em 1972, porém, antes de se tornar conhecida do público brasileiro, participou de uma turnê internacional em 1973, intitulada Panorama Brasileiro que incluía no roteiro o Olympia em Paris, entre outras cidades europeias. Em 1974, o Festa Brasil percorreu vinte cidades dos Estados Unidos, além do palco do teatro anexo do Madison Square Garden, em Nova York. Como foi que você conseguiu esta proeza de começar uma carreira já como um talento internacional?

Logo após o lançamento do primeiro disco, que foi em março de 1973, o Hermínio Bello de Carvalho conhecia o meu trabalho através do Assis Machado. Ele recebeu o release do meu disco antes de ser lançado. Eu gravei em outubro de 72, mas ele foi lançado em março de 73. Nesta época o Hermínio estava montando um show chamado de Brasil Export para a Europa, para fazer apresentações no Olympia, que foi o primeiro teatro onde cantei. Depois fomos para Colônia, na Alemanha e a seguir para Bruxelas. Quem iria para esse show, além do Grupo Folclórico da Bahia era a Elza Soares e o Quinteto Violado. Devido a um problema de agenda, eles não puderam participar e o Hermínio me convidou. Convidou também o Roberto Ribeiro, o João de Aquino e os músicos do Tamba Trio, que era o Must que existia aqui. Então nós, começando a carreira, fomos agraciados com esses conhecedores da música popular brasileira. O Roberto Ribeiro foi junto Roberto Ribeiro foi um grande cantor, um grande sambista que já não está mais com a gente. Foi muito cedo para o céu e o João que, infelizmente, também recentemente nos deixou. As pessoas estão se encontrando no céu. Estão saindo daqui da terra da terra para se encontrarem no céu. Recentemente a gente perdeu o Paulinho Jobim que foi uma grande perda. Mas é assim. Vida que segue. Mas os shows do céu vão ficando cada vez mais enriquecidos.

O seu último álbum Da Gente, lançado este ano, é o seu primeiro disco desde É Melhor Ser de 2013. Tem algum motivo especial para esses quase dez anos longe dos estúdios de gravação?

Faço parte de várias campanhas em que o Braga entra, vou também em corridas solidárias de vários tipos e agora abracei uma causa que é uma instituição da qual sou padrinho em Ruilhe, Padre David, e tento ajudar as pessoas da melhor maneira possível. Às vezes com uma palavra, um gesto.

Para você, quais são as principais diferenças do futebol no Brasil e o futebol na Europa?

O único motivo que eu posso dizer a vocês é que eu queria gravar este álbum. Eu queria gravar sobre o Nordeste. A ideia surgiu no final de 2015. Eu conversei com algumas pessoas e disse que queria gravar um disco voltado para o Nordeste e seus compositores. Em 2017 eu tive a turnê “Encontro com Ivan”. Então, já dois anos ali se passaram. Eu e o Ivan ficamos um ano inteiro trabalhando. Assim que encerramos o trabalho veio a pandemia. Então, as coisas são muito assim, corridas e eu, óbvio que poderia ter gravado um outro disco durante esse período, mas eu não queria. O que eu queria era o trabalho nordestino.

Nós tivemos a honra de ir ao show “Simone Encontra Ivan” aqui no Porto, e tem uma cena que registramos, que não esquecemos. Você, de braços abertos, homenageando a platéia que ainda estava vazia. Foi uma das cenas mais lindas que já registramos no Olhar Brasileiro para os programas de rádio e televisão aqui em Portugal.

Eu não tinha ainda estado no Coliseu no Porto antes. Depois da renovação que ficou muito bonita. Aliás, ter a oportunidade de pisar nesses palcos, agradecer aos céus e agradecer a Deus… Palco é sagrado.

O que é que podemos esperar dessa turnê aqui em Portugal?

Eu vou fazer um show em que vou abraçar 80% a 90% das músicas do disco novo. E elas serão apresentadas de uma maneira muito delicada. Porque como são músicas que o público ainda não conhece, mas vão conhecer, porque quem tem que apresentá-las sou eu. Elas estarão sempre calçadas e encostadas com as músicas que são conhecidas. O roteiro é uma coisa muito interessante, é que nem quando você está na sua casa e pendura um quadro e você se incomoda com aquele quadro. Sem perceber. Ele está dizendo para você que não é aqui meu lugar. Até que se encontra o lugar do quadro e ele harmoniza com você e o cantinho dele passa a ser aquele. Eu sou uma pessoa muito inquieta. Às vezes eu tenho uma música aqui que eu não quero neste lugar. Mas o roteiro só vai ficar 100% pronto na hora que se der o primeiro acorde. Aí não tem mais jeito. Mas tenho certeza que o público vai ouvir coisas novas sem perceber que está ouvindo.

Você sempre teve uma ligação muito forte com Portugal e não é por acaso. Em seu novo trabalho, “Nua” foi realizado em parceria com o poeta português Tiago Torres da Silva. De onde veio a inspiração para” Nua”?

Eu e o Tiago trabalhamos diariamente, durante todo o de 2020 durante a pandemia. Na verdade, todas as noites, quer dizer, madrugadas para ele. Ele estava fazendo um projeto com cantores e compositores brasileiros e perguntou se eu queria gravar uma música dele. Eu respondi que sim e pedi pra ele mandar uma letra para mim. Enquanto eu estava lendo o poema, liguei para ele e perguntei se poderia cantar uma coisa. Eu estava muito insegura. E pronto, saiu.

O maestro norte americano Quincy Jones uma vez declarou que a música que ele escolheria para ouvir se soubesse que estava prestes a morrer era “Começar de Novo” interpretada por Simone. Sabemos como é gratificante quando o artista recebe o reconhecimento dos pares e principalmente de uma pessoa altamente qualificada como o Quincy Jones, que teve que 79 indicações para o Grammy e foi premiado com 27 destes, além de um Grammy Legends Award. Uma coisa é ser reconhecida pelos brasileiros como você é, e isso, certamente deve te dar um orgulho muito grande. Mas o reconhecimento de pessoas do meio, de seus pares é muito mais significativo. Como é ter este reconhecimento?

É claro que eu fico muito feliz e orgulhosa. Eu sou muito verdadeira e inteira com as coisas que eu faço. Quando o conheci, ele falou disse que desejaria ouvir o Miles Davis também. Aí então, foi uma loucura, pois era o Miles e eu cantando Começar de Novo. E eu fui até os Estados Unidos para agradecer a ele.

Só que não deu nem tempo de dar um beijo nele, porque foi quando ocorreu aquele grande terremoto que ocorreu exatamente na madrugada do dia em que eu cheguei. E já no dia seguinte eu peguei o avião, voltei para o Brasil e nunca mais viajei para Los Angeles. O Quincy Jones veio ao Brasil várias vezes e ele sempre me pedia para voltar lá. E eu dizia: “Não vou, não. Lá treme”. Aquela foi a pior sensação que eu.tive na vida.

Mas voltando aqui um pouco, quando eu comecei a cantar, eu fui abraçada pelos mineiros como o Milton Nascimento, o Bituca, como ele gosta de ser chamado. Ele foi a pessoa que apostou em mim, sem dizer que estava apostando. Durante esse período, ele me deu 20 músicas para gravar, E ontem quando estávamos trabalhando juntos, cantando, eu disse para ele que ele é muito grande, e que quem não entender isso, não vai conseguir aproveitar todo este talento. Vou abrir só um parênteses: a Elis costumava falar que se Deus cantasse, cantaria que nem ele.

A gente sabe dos nossos limites. Pelo menos os limites técnicos. E sabe o que pode e o que não pode. Mas primeiro eu tive o abraço desses mineiros. E só depois que eu conheci os outros compositores como o Chico, o Djavan, o Paulinho, o Martinho, o Tom… Sentar-se ao lado do Tom e ele dar o acorde pra você cantar é um presente dos deuses. Eu participei de coisas deslumbrantes na minha vida. E quando o Quincy Jones falou aquilo, ele não se referia apenas à cantora, mas a um monte de pessoas que estavam ali, dentro do meu corpo, dentro da minha cabeça, que apostaram em mim. Sim, eu sou esse monte de gente.

Você citou alguns nomes consagrados da música popular brasileira como Milton Nascimento, Chico Buarque, Tom Jobim, Elis Regina… Por que é que não temos mais grandes nomes como Simone, Beth Carvalho, Roberto Carlos, Marisa Monte, dentre outros?

O Brasil é muito rico e é muito pobre. Felizmente o Brasil é muito abençoado. Mas a riqueza musical do Brasil é a criatividade. Não se pode comparar. Não se pode pegar por exemplo, a época do Pixinguinha e comparar com outra. Sempre tem uma geração posterior que vai achar que aquela geração é melhor do que a anterior. E a anterior vai dizer que não. Não sei se eu estou me fazendo entender. A minha geração foi uma geração muito rica, mas ela é muito rica para os meus olhos, para os meus ouvidos. Nenhuma geração é melhor do que ela. Eu falo é da quantidade de músicos e compositores. Você vem com Milton Nascimento e letristas como Fernando Brant, Ronaldo Bastos e Tavinho. Você pega Chico Buarque, Rita Lee, Caetano, Gil, e depois vem Djavan, Gonzaguinha, Paulinho da Viola, Martinho da Vila, Ivan Lins, é muita gente. Ontem quem estava no show do Bituca foi Alaíde Costa, que é uma cantora. O tempo da Alaíde Costa é uma coisa completamente diferente. A voz da Alaíde Costa é especial. Eu também sigo a Elizeth Cardoso, a grande cantora Clementina de Jesus, Dolores Duran, Maysa, Angela Ro, Ro… É muita gente para você superar. A gente não querer comparar, mas às vezes as pessoas comparam.

Para ser afirmar que um músico é de qualidade, o seu trabalho precisa atravessar o tempo. O Brasil é muito rico em todos os ritmos. Desde Raul Seixas, por exemplo, pra quem é rock, Tim Maia do Soul a Luiz Gonzaga no Baião.

Claro, tivemos Cazuza. As letras que o Cazuza escreveu e ainda letristas como Renato Russo estão presentes e são sensacionais. As letras que a Zélia escreve. E isso falando de pessoas que estão no miolo. Agora, se você abre para o Nordeste, então a lista não termina. Tem uma história que contam que o Cauby Peixoto, quando estava sobrevoando Salvador na Bahia, antes do avião pousar, olhava pela janela e falava assim: “É daqui que eles saem, professor”.

Não é à toa que a Simone é soteropolitana e com 50 anos de carreira de sucesso. Para encerrar, quais são os novos projetos podemos esperar para os próximos anos?

Esse trabalho da gente ficou pronto em setembro do ano passado. Eu nunca tive uma gestação tão longa porque ele foi gravado em dez dias, com três músicos, dois técnicos. Nós gravamos um disco que já tem um ano de vida e ainda está saindo. Então, o projeto deste trabalho será apresentado pela primeira vez. E tem músicas que eu ainda não cantei. Eu cantei no Festival de Garanhuns e cantei no Festival Literário de Belém, mais nada. Eu vou cantar pela primeira vez para vocês em Portugal, as músicas novas e em janeiro, se Deus quiser, se tudo der certo, no máximo em março, a gente lança a turnê completa.

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