A Portuguesa que se Tornou Rainha da Inglaterra

A Portuguesa que se Tornou Rainha da Inglaterra

Apresentou o chá, a porcelana e os bons costumes à corte inglesa.

Conexão Brasil com Mikaela Paim

Conheça a curiosa história de vida da Infanta D. Catarina de Bragança, que foi a protagonista do casamento entre Portugal e Inglaterra. Revolucionando os hábitos da corte inglesa, introduziu o ritual do chá com uso de porcelanas, tornando o momento um evento social entre os nobres. O chá da tarde se tornou tradição britânica mais conhecida mundialmente e começou por causa de uma portuguesa!

Ao me tornar sommelière de bebidas há mais de 15 anos, logo entendi que a história explica muitos traços sobre os hábitos e a cultura através de cada xícara e taça. O estudo faz parte da minha profissão e me aprofundar nos temas sempre me destacou no meu mercado, contribuindo como a forma que atuo, onde sempre valorizo cada degustação. E o que antes eram densas horas de estudo para me aperfeiçoar nos conhecimentos, hoje se tornou um dos meus hobbies favoritos.

Um tema que sempre me chamou atenção são as biografias das mulheres que mudaram o curso da história com sua presença, ousadia e persistência.

Me lembro que desde os primeiros anos como sommelière de chá, sempre me interessei pelos detalhes dos rituais e cerimônias. Da sua origem na China, até a xícara de chá dos mais famosos afternoon tea nos hotéis de Londres. Foi aí que descobri que o famoso chá da tarde não tinha origem inglesa. E o que poucos conhecem é a história da mulher que inspirou esse ritual e desenvolveu a popularidade conhecida por todo mundo. 

Nesta edição vou compartilhar a história dessa nobre portuguesa que foi protagonista para a paz em Portugal, se tornou Rainha Consorte da Inglaterra, Escócia e Irlanda e revolucionou a arte de apreciar chá e os bons costumes da cultura inglesa durante seu reinado. 

Vamos viajar no tempo, até à Vila Viçosa, uma vila portuguesa no distrito de Évora, na região do Alentejo, em Portugal, no dia 25 de novembro de 1638, onde nasceu Catarina Henriqueta, a filha do Rei D. João IV e sua esposa D. Luísa de Gusmão e que aos 7 anos de idade havia sido prometida ao D. Carlos II, Rei da Inglaterra.

Este casamento arranjado aconteceu em 1662 e foi o motivo da segurança e paz de Portugal. A jovem se tornou essencial para a independência de seu país naquela época, pois mesmo após a conquista proclamada em 1640, ainda vivia sob ameaça espanhola. O povo já estava exausto e faminto, vivendo em um cenário caótico. Para garantir a estabilidade e seguridade de todos, Portugal selou o acordo nupcial reforçando a velha aliança com os ingleses. E além do casamento, o rei de Portugal receberia 2 milhões de cruzados em pratas, joias, tesouros de conventos e igrejas, especiarias e lucrativos portos nos territórios de Tânger, em Marrocos e de Bombaim, na Índia.

Após uma missa na Sé de Lisboa, cortejos nas ruas, celebrações com repiques de sinos e até trombetas para festejar a partida de Catarina de Bragança, embarcou a 28 de abril de 1662 a bordo da nau capitânia Grão-Carlos, acompanhada de quatro damas. A história conta que em sua chegada à Inglaterra em maio de 1662, em Portsmouth, solicitou uma xícara de chá para aliviar a dor de garganta e febre, como não era uma bebida de costume local, a infusão foi servida em um copo de cerveja.

Quando a nova rainha chegou à Inglaterra, o chá era consumido apenas como remédio. Ainda não havia se popularizado, pois a Inglaterra não tinha comércio direto com a China e poucas quantidades importadas pelos holandeses, além de altos impostos, tinham alta margem de lucro. A bebida mais consumida dos ingleses até então, era o café.

Portugal foi um dos primeiros países europeus a importar chá, devido à rota comercial do país para a China, através de sua colônia em Macau, estabelecida por volta de 1500. D. Catarina de Bragança também apreciava a bebida e em seu enxoval de casamento incluía uma caixa de chá. Há fatos que dizem que na tampa da caixa estava escrito: “Transporte de Ervas Aromáticas” e, posteriormente, as iniciais dessas palavras dariam a origem da palavra inglesa para chá: tea.

O costume da jovem realeza de beber chá, começou a ganhar força e popularidade, tornando-se um evento social nas tardes da corte real, atraindo outras importantes mulheres e chamando atenção dos aristocratas. Catarina se tornou a pessoa mais emblemática deste tema, e o chá da tarde, um produto associado a corte real inglesa.

Com o avanço do Império Britânico, os navios ingleses trariam chá da Índia, porcelanas da China e açúcar da Jamaica, tornando o ritual mais acessível. Ao final do século XVII toda a aristocracia inglesa já tinha a bebida como um hábito. Este tornou-se um verdadeiro ritual que ocorria às 5 da tarde e era composto por bules e xícaras de porcelana, leiteiras, açucareiros e uma mesa com diversos tipos de pães, bolos e doces.

A Rainha também contribuiu para a gastronomia inglesa, introduzindo os pratos de porcelana e o uso de talheres à mesa, a famosa “marmelada”, tão conhecida no chá das cinco até os dias de hoje, foi trazida por ela de Portugal. Até ao mobiliário indo-português e o tabaco que os homens passaram a transportar em caixinhas de rapé no bolso do colete. Para as artes e culturas, levou uma orquestra de instrumentistas portugueses para animar seus saraus, organizou teatros, apresentações de dança, e foi a nobre portuguesa a primeira a levar para Inglaterra uma ópera italiana.

Apesar das dificuldades iniciais em se integrar e ser aceita totalmente na corte, tendo sido alvo de suspeitas, intrigas e conspirações, seu reinado teve duração de pouco mais de 30 anos. D. Catarina de Bragança se tornou estimada na Inglaterra, sendo tida pelo povo como corajosa e querida, como uma das melhores e mais puras mulheres que assumiu o trono de Inglaterra.

Após a morte do marido em 1685, Catarina retorna a Portugal em 1693. A nobre foi recebida com 3 dias de festas e chegou a substituir o rei D. Pedro II no trono, no curto período, entre os anos de 1704 e 1705. Faleceu aos 67 anos e foi homenageada com estátuas no Parque das Nações, em Lisboa e uma réplica no bairro de Queens, em Nova Iorque.

DICA DA SOMMELIÈRE:

ONDE VIVENCIAR UM CHÁ DA TARDE EM PORTUGAL

Após toda essa história, certamente você, assim como eu, deve estar com água na boca para provar um delicioso chá da tarde como os que a Rainha promoveu na Inglaterra.

A 30 minutos de Lisboa, na cidade histórica de Sintra, o chá de Catarina renasceu! Recentemente, essa história foi resgatada e ganhou vida através da curiosidade e sagacidade de Mário Custódio, gerente do maravilhoso Tivoli Palácio de Seteais, onde já tive o prazer em visitar em 2019.

“Não aprendemos isso na escola”, diz Custódio. “Eu não tinha ideia. Nem os portugueses sabem disso”.

Custódio, após saber da história e importância da infanta Portuguesa, iniciou suas pesquisas para saber detalhes sobre esse costume e o que serviam, descobrindo através de parcerias com historiadores que possivelmente o tipo de chá bebido por Catarina era o chá verde, já que nenhum chá da Índia apareceu no Ocidente até 1830. A marmelada também fará parte do menu, já que é outra parte da mitologia de Catarina de Bragança com a qual Custódio cruzou em sua pesquisa.

E para enobrecer esse serviço, em união com a Chef Pâtisserie Cíntia Koerper, foi criado o Chá das Rainhas, também dedicado as monarcas portuguesas D. Maria e D. Carlota Joaquina de Bourbon, são servidos diariamente no hotel, às cinco da tarde.

“Para o Chá das Rainhas mantivemos o seu conceito original, acrescentando alguns elementos diferenciadores, sobretudo ao nível da pâtisserie, respeitando a tradição de quem procura encontrar os sabores de sempre, mas com um toque especial”, diz a nova responsável da pâtisserie do hotel, Cintia Koerper.

O menu dedicado a D. Catarina de Bragança inclui o Imperial Lapsang Souchong, o chá preferido da rainha e uma combinação de scones com manteiga e compotas, finger sandwiches e uma seleção de pastelaria.

Custódio comentou que, com essa ação, ajudará a compartilhar um pouco de cultura e cor de seu país e reforçando a longo prazo a influência de uma rainha pouco conhecida.

“Nós portugueses queremos acreditar que Catarina foi a responsável pelo chá. Eu não quero que essa história morra”.

E você? Já conhecia essa história?

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Mikaela Paim

Mikaela Paim é sommelière de vinhos desde 2007 e hoje obtém 43 especializações, entre elas de Vinhos Alentejanos, pela CVRA que é responsável pela promoção dos Vinhos do Alentejo, no mercado nacional e em mercados-alvo internacionais.

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