A Beleza Importa?

A Beleza Importa?

           

Um dia comum, correndo como de costume, na velocidade de conseguir acabar rapidamente minhas tarefas tão banais e chatas, para conseguir chegar a tempo em casa, para fazer algo tão importante como me jogar no sofá. Corria, desatenta à realidade, mas presa em meus problemas mentais, até que fui assaltada ao cruzar as ruas de Braga. Me deparei com as notas de Vivaldi sendo deslizadas tão harmonicamente em um violino. Em fração de segundos, fui sendo seduzida por aquela experiência que iniciou em meus ouvidos, preencheu meu coração e quando dei por mim, entrei em um portal muito maior da realidade, onde era docilmente conduzia a encontrar aquele som dos anjos. Quanto mais próximo eu estava da origem da música, mais meus olhos pareciam querer ver, estar presente, meu rosto aos poucos foi despertando para um singelo sorriso. Este que não pode mais se conter, quando a cena completa se revelou à minha frente: era um violinista de olhos fechados, mas tão vigoroso em seus movimentos, ele estava sereno, ali de prontidão ao redor de um jardim encantador. Era o Jardim de Santa Bárbara, onde meus olhos e todo o meu ser se repousaram e descansaram. Parecia que eu voltava a respirar, um dia ordinário, preenchido por uma experiência extraordinária. Não havia mais correria, ou pressa, ou atrasos, ali era onde eu queria estar, aquela experiência devolveu-me e já não podia mais deixar de ver a beleza que me correspondeu. Certamente você já experimentou algo parecido, ao escutar uma música, ver uma obra de arte, entrar em uma casa secular, ou mesmo ao contemplar o pôr-do-sol.

Vivemos em uma sociedade em que é instaurado o relativismo, ou seja, o valor do discurso está na subjetividade. A verdade fica ameaçada pelos “achismos”, opiniões e perceções singulares, há perda daquilo que É, o Absoluto. Este panorama então impacta diretamente no conceito de Beleza. Para a contrariedade de muitos, infelizmente devemos declarar e resgatar à toda força, que a Beleza não é relativa. E para quê isso é preciso este esforço? Porque se desconsiderarmos a Beleza, não poderemos nos saciar do belo, nos perderemos no relativismo, que é enganoso e efémero. Segundo São João Paulo II, “o mundo em que vivemos tem necessidade de beleza para não cair no desespero. A beleza é chave do mistério e apelo ao transcendente. É convite a saborear a vida e a sonhar o futuro”. Essa sociedade civilizada e avançada distraiu-se com o foco para a utilidade, a praticidade e a robotização. Parece não ter mais espaço para o ornamento e o supérfluo necessário. Repare as cidades cinzentas, pichações, ruas sujas, prédios secos, igrejas quadradas e arranha-céus. O sucesso parece ser a desconstrução, a valorização da desordem, da transgressão, presente em todas as formas de arte, que vão impactando aos poucos nosso mundo interior.

A beleza ao qual temos necessidade, que nos ajuda a sermos mais humanos, não é a beleza relativa, e sim, uma verdade realizada, ela corresponde ao harmônico, o bem, a justiça, a moralidade. O belo pode estar na música, na arquitetura, nas obras de arte, na imagem pessoal, mas ela deve ter uma coerência e ordem, capaz de transmitir a noção de que a vida faz sentido e vale a pena ser vivida. Por isso, quando nos deparamos com algo belo, o nosso ser repousa, descansa e se eleva.

O filósofo britânico Roger Vernon Scruton, é um estudioso e autoridade nas demandas sobre o belo e dedica-se a responder essas questões com exímia profundidade. Um dos seus livros em 2009 foi retratado no documentário “Why Beauty Matters”, capaz de romper com o relativismo da beleza. Para Scruton, a beleza é, antes de tudo, uma forma de garantir que a vida tenha sentido e se perpetue, perdê-la ou negá-la, é como se o homem cortasse fora um órgão vital. O filósofo ainda defende que a beleza repousa na arte e dá ao homem os benefícios da contemplação e do consolo quando se depara com a dor e o sofrimento que são inerentes à condição humana. Sendo assim, a beleza, é fundamental para a manutenção da saúde mental e da realização humana. Incluir na sua vida elementos de beleza, desde o cuidado pessoal, até a vestimenta, decoração da casa, e alimentar-se de boas obras de arte é o segredo para uma vida preenchida de sentido.

Luiza Orlandi
Psicóloga Clínica
@luizaorlandi.psi

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