É Preciso Falar de Bullying, Xenofobia e Segregação nas Escolas Portuguesas
Falar de escola deveria ser sinônimo de educação em todos os sentidos, respeito pela diversidade e por cada subjetividade, deveria ser lembrado como um local acolhedor e de aprendizagem além das teorias e práticas de disciplinas, certo?
Mas, para muitas crianças e jovens em idade escolar esse ambiente costuma ser um dos mais hostis que ela frequenta. Um local de múltiplas violências e até negligência, onde a criança se vê desprotegida, com medo de relatar os maus tratos ocorridos para os pais, e acabam por vivenciar por anos, conflitos externos e internos e/ou criando fatores de autodefesa, aqueles que ela acredita que a proteja diante de tanta hostilidade.
Adquirir conhecimento e habilidades por meio da educação não é uma tarefa simples, sobretudo na longa e desafiadora jornada da vida acadêmica. No entanto, é precária a absorção de conhecimento através de emoções negativas. E quando se trata de educação escolar, o fracasso acadêmico é uma das preocupações mais importantes de professores, funcionários da educação e das famílias. Consequentemente, essa passa a ser uma questão secundária quando pensamos no crescente número de relatos de bullying, xenofobia e segregação de estudantes imigrantes.
Talvez a grande questão devesse ser a priorização de uma educação baseada na pirâmide família, escola, sociedade, não só na teoria, mas na prática, no que tange a dirimir informações sobre respeito à diversidade e ao outro, e fosse considerado fracasso escolar, social e da família os comportamentos de estudantes que remetem às três temáticas – bullying, xenofobia e segregação – que há muito precisam ser debatidas em Portugal.
Em 2020, um estudo realizado pela Universidade Nova de Lisboa, encontrou sinais de “segregação” dos alunos filhos de imigrantes em 34% das escolas Portuguesas. O professor Doutor Luís Catela Nunes, um dos autores do estudo, diz que estamos perante uma diferença “extraordinária”, “marcante” e “enorme”, pois mostra que resultados escolares das crianças filhas de estrangeiros tendem a ser muito piores, sobretudo se tiverem origem nos PALOP (países africanos de língua oficial portuguesa), e do Brasil, comparativamente com os filhos dos naturais de Portugal.
É comum ouvir relatos de pais e estudantes imigrantes dizerem que por mais que se esforcem não conseguem alcançar notas mais relevantes que os estudantes Portugueses, embora sejam considerados bons alunos. Esse retrato se estende às Universidades também, embora aqui nosso objetivo seja retratar escolas primárias e secundárias.
De acordo com a pesquisa acima citada, esses resultados são sobretudo concentrados nas cidades que mais recebem os imigrantes e que os alunos se encontram numa distribuição tão desigual que tende a concentrá-los nas mesmas turmas.
Recentemente um caso de xenofobia transbordou as mídias e principais jornais do país suscitando o debate sobre o tema, sendo esse o motivo do nosso artigo aqui. Uma menina de 11 anos foi gravemente agredida em uma escola do centro de Portugal; o fato foi filmado por colegas e partilhado nas redes sociais, e os colegas não agiram para impedir a agressão. Esse caso veio à tona e, mais uma vez, abre a pauta para dialogar nos níveis educacionais, sociais e políticos. Atualmente, percebe-se um número crescentes de agressões em escolas públicas do país com agressões físicas, verbais, pressão psicológica (dentre outros comportamentos), embora os dados da GNR – Guarda Nacional Republicana – notificarem que os números estão a decrescer. Segundo dados da GNR, em 2021 foram relatados 467 crimes nas escolas. E muitos outros casos provavelmente não foram relatados por muitos motivos, que não constam nas estatísticas.
O que os pais podem fazer para que os filhos saibam interpretar essas violências?
Não bastasse lidar com a adaptação a todo um novo contexto como imigrante, as famílias devem estar cientes de que essas são situações que existem e que além dos incontáveis deveres, o imigrante também tem direitos.
E a constituição garante esses direitos às crianças, assim também como previsto na ONU – Organizações das Nações Unidas – “uma educação de qualidade”; essa colocação é complexa e envolve a todos os membros que frequentam uma organização chamada escola, que é composta, digo mais uma vez, pelo tripé escola, sociedade e família.
As políticas públicas estão a tardar a serem mais enfáticas nessas questões aqui levantadas. No entanto, trago algumas dicas de como lidar com crianças e jovens vítimas dessas violências.
- Converse com seus filhos que qualquer agressão verbal ou pressão psicológica que sofrerem para sentirem-se aceitos em grupos é uma forma de violência. Crianças e jovens precisam se sentir seguros e têm direito a serem eles mesmos. Que eles saibam que têm direito de escolha e não precisam aderir a nada que não queiram, que lhes cause medo ou dor para serem acolhidos e aceitos. Também não precisam se culpar por isso. Que eles aprendam discernir entre amigos verdadeiros e que estes também existem, e é melhor sempre estar bem acompanhado e seguro.
- O mundo está cada vez mais globalizado e embora cada país do mundo tenha sociedade, culturas e políticas diferentes, as possibilidades de ir e vir são portas que agregam conhecer as diferenças socioculturais e diversidades em geral. O turismo e a imigração são importantes fontes de renda para muitos países. Portanto, o preconceito pela nacionalidade do outro é considerado um ato de violência e o respeito deve vir acima de tudo, não importa a nacionalidade, a raça, a cor.
- Converse com seus filhos para que não se esforcem para ter um rendimento acadêmico que gere competição entre os colegas, mas que ele se sinta eficaz em suas conquistas como indivíduo e que para a família todas as conquistas dele são importantes. Não priorize notas. Priorize os esforços e parabenize o processo, não o resultado em si. O resultado é consequência de um processo.
- Dialogue todos os dias sobre a escola, os amigos mais próximos e mais distantes, tente conhecer os amigos com os quais seus filhos mais se relacionam, pergunte sobre colegas de outras salas, e preste muita atenção às emoções dos seus filhos. Coloque-se à disposição dele e diga que está ao seu lado. Não seja punitivo, sobretudo enquanto não ouvir e levantar informações multilaterais sobre possíveis problemas. Punir não traz aprendizado. Diálogo sim, conversas sobre estratégias comportamentais como solução ajudam, inclusive se for a criança ou o jovem a criá-las.
- Em caso de alguma dessas violências, relate o fato hierarquicamente, em todos os níveis de direito, como por exemplo: professor, coordenador ou diretor escolar, agrupamento, secretaria da educação, Guarda Nacional Republicana, Ministério da Educação. Os números registados contam para os debates e mais políticas públicas.
- Converse com seus filhos que o dever dele é respeitar e que ele também tem o direito de ser respeitado.
- Se por acaso, seus filhos já passaram por esses casos e enfrentam sequelas deixadas por esses problemas, procure ajuda. Não deixe que isso se agrave ao longo da vida, causando insegurança, depressão, baixa autoestima, podendo evoluir para automutilações, ou outros desafios ainda maiores.
Ao imigrar tenha em mente que existem muitos desafios, benefícios, porém ajustes sociais que ao longo do tempo, espera-se que sejam minimizados com a evolução das pessoas e do mundo em si.
Então, dialogue entre família, pois não existe ganho maior para nós, seres humanos que poder nos conhecer, nos respeitar, respeitar os outros e também sermos respeitados em todos os âmbitos. Isso sim, é premissa para suscitar a eficácia das habilidades sociais e comportamentais, aumentar o engajamento e o entusiasmo escolar e aumentar o desempenho acadêmico, através da vivência de emoções positivas.
Uma última observação relevante: Não só os imigrantes vivem essas situações. Existem muitos casos de bullying sofridos também por estudantes Portugueses dentro das escolas. Todas as crianças e jovens tem direito à proteção. Toda a sociedade é responsáveis por criar ações para minimizar e buscar exterminar essas violências. Façamos todos a nossa parte.
Karina Campos
Psicóloga do Trabalho e da Educação
Coach de Carreira e Teen Coach
@karinacampos.psi