Despertar

Despertar

Certa noite, meu sono foi interrompido por algo dentro de mim que eu não sabia explicar, era uma mistura de frustração, incertezas e medo que me sacudia o peito a ponto de me faltar ar.

Assustada, procurei me acalmar:

– Respira, calma, foi provavelmente algum sonho que você teve, nada importante – dizia a mim mesma. Logo, me senti vazia de energia, sem forças, me entreguei e adormeci afirmando a mim mesma que fora foi só um sonho, mas de nada me lembrava.

O dia discorreu normal, mas ao meio da noite, novamente, algo me sacudiu, e revivi todo processo com todas as suas sensações e emoções. Cada noite mais forte, mais forte e mais forte. Parecia existir alguém dentro de mim, aos berros e a me sacudir cada vez mais forte.

E terminava minhas noites, sem energia. E meus dias começavam, cada vez com menos energia.

Uma certa noite, durante o meu sono, fiquei em um estado meio estranho, com uma sensação desconhecida e me percebi em meio a algo como uma cortina, porém, ela era totalmente de fumaça e por trás dela uma tela imensa, iluminada, mas ofuscada por essa cortina.

Tive medo, era um lugar desconhecido para mim. De lá, ouvi uma voz a dizer-me: vem.

Meu coração disparou, saí correndo dali e me deparei com minha cama. Ofegante ainda, mas agora com a sensação de que eu devia voltar para aquele lugar de fumaça e embora não tenha visto ninguém, agora residia em mim a sensação de que alguém estava lá. E não somente isto, mas alguém tinha algo a me contar.

Será que estou a enlouquecer? Pensava eu.

E meus dias se arrastavam com perguntas não respondidas, e a cada noite eu voltava para aquele lugar, em sonho, a fumaça diminuía, o medo também, e eu me aproximava da tela, pouco a pouco.

Até que em uma noite eu vi com clareza a tela e a seu lado uma pessoa dizendo – vem- sua voz me soava conhecida, mas seu rosto e corpo ainda estavam envoltos pela cortina de fumaça.

A tela se acendeu e a voz me disse: Olhe para a tela, vou te passar um filme, você verá que ele está todo bagunçado, você reconhecerá muitas cenas, e terá a oportunidade de organizar e reeditar como achar melhor através deste controle que te coloco em mãos agora.

O filme começou a correr, eram cenas da minha vida, colocadas de forma atemporal, mesclada com pequenos monstrinhos, que corriam, se escondiam e desapareciam assim que eu focava neles. Me coloquei então a organizar, emoções me arrebatavam, ora em meio a lágrimas, ora em risos, revivia cenas, organizava e reeditava.

Ao terminar, olhei para o lado e aquela pessoa, não mais envolvida pela fumaça me surpreendeu com sua voz conhecida dizendo-me, muito bem, está feito; e ao subir meus olhos em direção a seu rosto me deparei com meu próprio rosto, nítida e claramente, era eu. Me sorriu, me abraçou e me disse: Estamos em paz. Vá.

Assim que comecei a caminhar de volta me deparei com minha cama e um sentimento de paz que nunca senti antes. Adormeci profundamente e desfrutei.

Ao despertar com a mesma paz, compreendi que há um lugar em mim que tenho livre acesso, se desejar, o meu “eu inconsciente”, habita ali com informações jogadas, porém valiosas onde me permite desconstruir e reconstruir o que desejar. Somos parceiros, ele me entrega os dados e eu os organizo.

Reconheci então, que um sonho, pode não ser só um sonho; pode ser um despertar.

O que sua noite de sono mal dormida quer te contar?

Luci Maritan
Psicanalista

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