Tique-taque

Tique-taque

Tique-taque, tique-taque ecoando pela sala de jantar, o antigo relógio de pé em madeira, conhecido como Bornholmeruer. É até engraçado ver que essa constância no ritmo, me dá uma sensação de segurança e até diminui a minha inquietude e porque não dizer RAIVA! Sim, raiva das circunstâncias atuais da vida, do enclausuramento devido a pandemia, da viagem adiada, do medo do marido mais velho vir a se contaminar de uma forma mais grave, saudade do sol, mar, praia, do vendedor de mate e biscoito polvilho na areia de Copa. Há toda uma ansiedade adicionada nesse caldeirão (que não é nem mais do Hulk) formando uma sopa, um caldo grosso de desconfortos e irritações, chamado momento atual da vida, um pote a transbordar de tantas emoções e sentimentos à flor da pele.

Lá fora uma mistura de chuva e neve, esse é o tempo aqui na Escandinávia e será assim pelos próximos dias, semanas e meses, quiçá em Maio venham os primeiros raios de sol, por aqui próximo à Suécia. São tantos sentimentos dentro desse pote, é assim que meu marido costuma chamar minhas aceitações e inconformismos com a vida aqui na Dinamarca. Sim, sou uma mulher que imigrou aos 47 de idade por amor, amar um colega de trabalho que morava do outro lado do mundo. Me desapeguei de 30 anos de carreira, família, amigos, praia, sol, beijos e abraços aos se cumprimentarem um ao outro e todas os jeitos de ser de uma carioca de Copa.

Por favor não me entenda mal, eu AMO o meu marido mas é só isso, tudo ao redor dele como país, tradições, cultura, idioma, normas, valores e regras, nada nisso me pertence, eu não faço parte e agora nem quero mais fazer parte. Chega, eu desisto. Fiz de tudo para me integrar, ser aceita, roupas pretas, sem maquiagem, nada de cumprimentos de contato físico (com o corona só enfatizou ainda mais), nada de elogiar pois isso não é bem visto, nada de salto alto, batom de cor forte (exceto no verão, isso é ok), ser uma igual ser aceita pela sociedade, pela família e amigos dele, pelos colegas de cursos, pelos vizinhos, (mesmo sendo autêntica comigo mesma) e o que eu consegui até agora? Vinte quilos a mais, uma depressão recém curada e uma solidão tão grande que por mais que estivesse cercada de pessoas, a tal química da amizade nunca surgia. Conclui curso de idioma, fiz cursos profissionalizantes, estágios, trabalho e trabalho voluntário mas faltava algo lá no fundo, algo chamado amor, paixão ou necessidade, sei lá, algo que lá no Rio eu tinha de sobra, um quê de “eu sou brasileira, com muito orgulho e muito amor e não desisto nunca”, essa garra, foi se esvaindo, sendo substituída por essa nova mulher invisível e perdida em uma sociedade “perfeita e igualitária” para todo dinamarquês. Mas, putz! Eu não sou dinamarquesa, sou uma estrangeira casada com um dinamarquês, tenho um visto temporário a ser renovado a cada 4 ou 6 anos, nem permanente o visto é. Pronto, lá vem mais um pepino para ser adicionado a minha sopa de insatisfações.

Seria cômico se não fosse triste ouvir família e amigos do lado de lá, dizerem: “Mas como você pode reclamar de qualquer coisa se você está na Europa? No país dito o mais feliz do mundo, ou segundo mais feliz do mundo. É gente, a felicidade não é tão somente ter, mas ser. Mas ser o quê Simone, vocês me perguntariam. Ser aceita, admirada, reconhecida, amada , se amar, se perdoar, ser autêntica e enfrentar com orgulho e força as diversidades culturais de ser uma imigrante de 52 anos em uma ilha no meio do Mar Báltico. Eu mal me reconheço de tanto que mudei e me adaptei, ou reinventei para viver aqui como uma local.

Sentir as palavras, falar e escrever parece muito mais fácil do que vivê-las.

E aos poucos o tique-taque vai acalmando as minhas inquietudes, tique-taque, tique-taque.

E você? O que teve que abdicar e se refazer para se adaptar ao seu novo lar doce lar no exterior?

Saíca Dentro e Fora de Mim 

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