Dois olhares sobre Cuba
Um olhar crítico sobre a vida na fascinante e bela ilha de Fidel Castro. O que é verdade e o que é fantasia sobre este controverso paraíso do Caribe.
Cuba para turista. Cuba para Cubano.
A nossa primeira ida a Cuba, talvez tenha nos causado a impressão que a maioria dos turistas que visitam o país tem. Um país diferente de tudo que qualquer viajante já tenha visto. Cuba tem uma atmosfera muito autêntica, que você não vê em nenhum outro lugar do mundo.
(Passeando de “Charretecleta” : Casamento tradicional)
Fomos para apresentar um trabalho em um Congresso Internacional de Pedagogia que acontece a cada dois anos em Havana. Meu marido sempre foi um simpatizante de esquerda e grande admirador da mística que Fidel Castro representa. Diante de tudo que sempre ouvimos falar sobre o país, ficamos apreensivos quanto aos recursos que teríamos disponíveis para nossa apresentação. Que grata surpresa! Tivemos tecnologia de ponta, em um ambiente climatizado e todo apoio logístico necessário. Isso em 1999!
(Pedagogia 99)
Ao chegarmos ao país já vivemos a primeira emoção. O hotel que havíamos reservado e pago, estava lotado. Como estávamos com um grupo de professores do Brasil inteiro, foi uma loucura. De repente um professor ameaçou a chamar a polícia e a partir daí começamos a perceber onde estávamos. Os atendentes do hotel se desesperaram e quase chorando nos imploraram para não a chamar e nos encaminharam imediatamente para outro hotel. Muito melhor que o da nossa reserva. O hotel era um 5 estrelas espetacular, novinho. Tudo com muita fartura e luxo. Um dos melhores de Havana. Não esperávamos por isso.
(Vista aérea de Vedado – Havana)
Vivemos dias de turismo de primeiro mundo em um cenário exótico. Andávamos só em carros novos, a maioria Mercedez, e com ar condicionado. O povo cubano de taxi velho, caindo aos pedaços ou de Camelo, um “vagão” puxado por um cavalo mecânico. Só anda lotado e o conforto é zero. Então, já começamos a perceber os primeiros sintomas de um país dividido entre teoria ideológica e realismo econômico. Existiam 2 pesos cubanos. Um para os moradores, que não valia quase nada e outro, o peso convertível, usado pelos turistas e cotado em dólar. Estávamos loucos para conhecer os cubanos, mas qualquer tentativa de aproximação, ouvíamos um apito que vinha não se sabe de onde e logo eles se afastavam de nós. Os que conseguiam aproximar um pouco e rapidamente, nos pediam sabonetes e canetas. Era inacreditável! Sabonetes? Tentamos de todas as formas andar naqueles carros da década de 50, tão comuns no país, mas não permitiam. Os cubanos eram quase inacessíveis!
(“Camelo” Misto de ônibus e caminhão)
Na ida para o aeroporto para irmos embora, lembro do sentimento que me tomou e que defendi por muitos anos ao relatar a viagem aos amigos. Era muita pobreza! Mas uma pobreza bonita, pois não havia miséria. Não havia pessoas virando latas de lixo ou pedindo esmola. Voltamos encantados e querendo conhecer mais. Então, resolvemos estudar em Cuba e foi a partir daí que conhecemos a Cuba dos cubanos.
(Referência em Educação!)
Agora, com visto de estudante, já não ficávamos em hotel, passamos a viver em apartamentos na Vila Panamericana com estudantes do mundo inteiro. Começamos a estreitar nossos laços com os nativos e fizemos grandes amizades que mantemos até hoje. Com isso, conseguimos frequentar o ambiente deles, pois é tudo separado… bares, boates, supermercados, passeios e acreditem… até praias! Mas o fato de estarmos como estudantes e vivendo lá, não nos davam o direito de frequentar estes lugares. Vocês sabiam que existem praias em Cuba que são proibidas para cubanos? Cayo Largo é uma delas. Cubano lá dentro só trabalhando e com licença do governo. São como imigrantes no próprio país. Na verdade, continuávamos limitados ao mundo fantasioso dos turistas. Mas como fizemos amizades, andávamos escondidos no assoalho dos carros junto com os cubanos para que a polícia não nos visse. Não que isso fosse nos causar algum problema, mas nossos amigos cubanos poderiam ser punidos e temiam por isso.
(Bar cubano – A caminho de Cayo Largo)
No primeiro ano, ainda sentíamos um certo fascínio por tudo. Chegamos a ficar mais de 4 horas ouvindo o Fidel falar com nosso grupo de professores. Confesso que a emoção de estar frente a frente com ele, foi indescritível! Mas depois desse tempo, olhando a mesma pessoa falar, até Fidel Castro perde a graça. Rsrsr. Fizemos de tudo nessa ilha, usufruímos tudo que o turista pode fazer e entramos muito no mundo deles. Vivemos duas Cubas completamente distintas. Talvez esses anos de convivência com esse povo tão maravilhoso, tenha sido uma das experiências mais marcantes de nossa vida!
(Estudando e passeando…)
Por três anos, nossa história se misturou muito com a de Cuba. Lembro em um passeio de barco, que o guia brincou com a gente: “Este barco é do governo, este equipamento pertence ao governo, eu pertenço ao governo… Tudo aqui é do governo. Vocês estão tempo demais aqui. E se continuarem aqui, vão passar a ser do governo também…”. Percebíamos em suas falas uma mistura de medo por estar falando, alívio por estar conseguindo conversar com estrangeiros e mágoa por tudo que foram submetidos. O sistema foi cruel com eles. As divisões das casas por exemplo, não foram tão igualitárias assim… Haviam privilégios… O kit que cada família tinha direito mensalmente, não era suficiente, tinham que controlar o que comiam e bebiam. Passavam falta sim! Entendemos a paixão por sabonetes. O sabão que recebiam para banho, era o mesmo de lavar roupa e sem cheiro. Por isso, amavam perfumes… Nos finais de semana, quando combinávamos um encontro na casa de um amigo, passávamos a noite com meio copo pequeno de refrigerante, que eles nos serviam com muito sacrifício. Queriam nos receber bem! Mostravam o carro na garagem, conservadíssimo, lustrado, mas que só ficava ali, pois não tinham como abastecer. Carro de 1950 que eles guardavam com muito orgulho e saudade da época em que podiam andar com eles… Quando perguntávamos das diferenças que percebíamos entre os padrões de vida dos cubanos, eles falavam com muita tristeza, dos privilégios cedidos a poucos ou das famílias que conseguiram ter um membro que fugiu para os Estados Unidos e assim mandava dólar. Ou então, da prostituição crescente que o país enfrentava atrás de dólar para viver com um pouco mais de dignidade. Éramos cortejados o tempo todo, por cubanos que queriam se casar para sair do país. Ah! Sabe aquela tecnologia de ponta que usamos no congresso? Não está disponível aos professores cubanos. Vimos uma Cuba triste!
(Mergulho e Paladares. Só para os que têm dólares!)
Embora, o lixeiro e o Engenheiro sejam doutores, não existe diferença intelectual ou cultural entre eles. Assustávamos com o conhecimento das pessoas que teoricamente deveriam ser “simples”. Aliás, conhecem a nossa história melhor que nós mesmos. Conhecem nossos escritores e intelectuais mais que o povo brasileiro. São muito orgulhosos de suas histórias, mas também são muito sofridos… Nos contavam acontecimentos que nunca havíamos lido nos livros e nem ouvido nas aulas de história.
(Muita cultura)
Se você pensa em ir para Cuba, leia sobre os passeios e sugestões para quem quer visitar o país, descritos em nosso Weblog. E lembre-se, se lhe falarem de Cuba, pergunte quanto tempo ficou lá e onde se hospedou. A resposta de como é Cuba pode ser bem diferente. Qualquer um que for passar uma semana e se hospedar em hotel, irá conhecer a Cuba que o governo quer mostrar.
Alexandra Gomide
Ruy Alexandre